PREC
PROCESSO REVOLUCIONÁRIO EM CURSO, foi a designação por que ficou conhecido o período revolucionário onde o poder popular governou o país, literalmente. Durou 19 meses e acabou traído em 25 de Novembro de 1975 onde, um golpe contra-revolucionário liderado por Jaime Neves e apoiado pela igreja, pelos partidos de direita e pela sociedade mais retrógrada e afecta ao antigo regime, desfez a esperança de mudança efectiva do paradigma de atraso e exploração de um povo.
O MFA, Movimento das Forças Armadas, foi o garante da vontade popular durante este período, mediando os conflitos de classe que então se verificaram, nomeadamente no Alentejo, onde o povo dorido e explorado pelos agrários e grandes agrários, que durante os 48 anos que durou o regime fascista os exploraram duramente. Gente que trabalhava duramente e que era espezinhada e sem direitos, desde o sair do dia até ao pôr do sol a troco de baixíssimos salários, naquelas fazendas a perder de vista, naquelas terras em que na sua maioria nada se produzia.
O MFA fizera ruir os alicerces da ditadura fascista, competia-lhe o cumprimento do programa do MFA, garantido a defesa da revolução e o exercício do governo do país.
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REFORMA AGRÁRIA (Decreto-Lei nº 203-C/75, de 15-04)
1. O Conselho da Revolução apreciou a situação da economia na actual fase do processo revolucionário português, verificando, designadamente, a deficiente utilização da capacidade produtiva do País em recursos humanos e materiais, acompanhada da redução do nível de investimento, o crescente desequilíbrio da balança de pagamentos e a persistência da pressão inflacionista, embora em atenuação nos últimos meses.
Tal situação é consequência natural do desenvolvimento de um processo revolucionário que tem vindo a desmantelar o poder do capital monopolista, agravada pela reacção dos seus detentores, que a todo o custo têm tentado impedir a perda dos seus privilégios.
Vivemos, assim, uma crise largamente resultante não só da herança das estruturas económicas do fascismo e colonialismo, como da desagregação do sistema capitalista em Portugal. É agora necessário e imperioso reconstruir a economia por uma via de transição para o socialismo. Está em causa consolidar os primeiros passos concretos da nossa revolução socialista e realizar novos avanços nessa direcção, atendendo a dois objectivos primordiais:
a) Garantir a independência nacional no arranque para um socialismo verdadeiramente português, evitando situações extremas de crise económica que nos coloquem em reforçadas e delicadas dependências externas;
b) Identificar a dinâmica da classe trabalhadora com um projecto de construção de socialismo.
2. O Conselho da Revolução, ao analisar os trabalhos em curso no âmbito do Conselho Económico relativos à preparação dos programas de medidas económicas de emergência, definiu as seguintes orientações gerais:
a) É necessário que os trabalhadores sintam que a economia já não lhes é estranha, ou seja, que a construção socialista da economia é tarefa deles e para eles. Isto implica a afirmação clara do princípio do contrôle organizado da produção pelos trabalhadores para objectivos de produção e eficiência, coordenados pelos órgãos centrais de planeamento, segundo esquemas a definir com brevidade;
b) É indispensável estabelecer uma limitação dos consumos a partir de um princípio de máximo nacional de rendimento disponível, extensível aos titulares de todos os rendimentos, e não apenas ao trabalho por conta de outrem;
c) Igualmente se torna indispensável garantir a contenção dos preços de bens essenciais, sobretudo alimentares;
d) Deverão ser completados os passos já dados no sentido da nacionalização dos sectores básicos da actividade económica (indústria, transportes e comunicações);
e) Deverá ser aplicado um programa progressivo de reforma agrária, integrado num todo coerente de medidas de política económica;
f) Verificadas as condições anteriores, será legítimo fazer apelo à mobilização dos trabalhadores para um emprego produtivo, mobilização necessária à construção da sociedade desejada pelo povo português.
3. Mostrando-se necessário dotar o Governo, através do Conselho Económico, de um processo expedito de dar execução às medidas a inserir nos programas de emergência acima referidos;
Usando da faculdade conferida pelo artigo 3.º, n.º 1, 3.º, da Lei Constitucional n.º 6/75, de 26 de Março, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo único. São aprovadas as bases gerais dos programas de medidas económicas de emergência publicados em anexo ao presente decreto-lei.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros. - Vasco dos Santos Gonçalves - Mário Luís da Silva Murteira - Fernando Oliveira Baptista - João Cardona Gomes Cravinho - Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
Promulgado em 15 de Abril de 1975.
Publique-se.
O Presidente da República, FRANCISCO DA COSTA GOMES.
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O povo empenhava-se na conquista de direitos e liberdades. Juntos, povo e MFA, a Aliança Povo/MFA, estavam imbuídos do propósito da construção de uma sociedade mais justa e iniciavam, assim, o processo revolucionário.
Eram dias de liberdade, de trasbordante felicidade. De excessos, também, que sim, também os houve tal era o sentimento de liberdade. Para isso lá estava o MFA e os seus militares vigilantes. Mas de excessos e de grosseira tentativa de contrariar o processo revolucionário pode-se com toda a propriedade falar da reacção dos agrários, que não gostaram de ver ocupadas as terras improdutivas, suas propriedades, pelos camponeses, que criaram as Unidades Colectivas de Produção, as UCP´s.
A Terra a Quem a Trabalha! Mulheres e homens, gentes de todas as idades tomaram caminho em direcção às terras incultas, cobertas de mato e de tojo, secas e enrijadas à espera de serem desbravadas e cultivadas. Esperavam pelos braços e mãos daqueles que as arrancassem ao martírio infernal a que foram lançadas.
Tomavam-nas, àquelas terras, não as roubavam! Porque as terras não se roubam, fazem parte da natureza. Pertencem a quem delas precise para as trabalhar, pertencem à natureza.
Assim se desenrolava uma intensa luta de classes, de um lado os agrários e latifundiários, que queriam continuar com a posse da terra improdutiva, do outro o povo, os trabalhadores, os camponeses, que queriam uma reforma agrária regulada por lei, que garantisse a formação de cooperativas e de unidades colectivas de produção agrícola. Uma coisa era certa, para os trabalhadores, para os agricultores só havia uma certeza: defender a reforma agrária era defender a economia do país e a revolução de 25 de Abril.
" O tempo da terra alentejana ser regada com sangue dos trabalhadores acabou e, se tentarem realizar essa acção, serão impedidos por uma força por mim comandada, com todas as armas para vocês apontadas." Palavras ditas pelo oficial delegado do MFA em terras de Montemor-o-Novo, no momento em que o senhor da terra, homem de poder e de domínio, não aceitava que os assalariados tomassem as terras e, em ameaça, ele e os seus comparsas, aprontavam-se a disparar e a matar, se preciso fosse.
Com a publicação da Lei da Reforma Agrária, aos trabalhadores e às instituições de apoio à reforma agrária cabia aplicá-la; ao MFA, defendê-la.
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UCP (Unidade Colectiva de Produção)
Chegados às terras secas e sedentas, logo pela madrugada, escolhiam o nome da sua UCP. Faziam o levantamento das terras a trabalhar, das máquinas e alfaias disponíveis, do gado, das culturas a semear, do pessoal que era necessário para o seu cultivo. Distribuíam-se tarefas, caiavam-se paredes, erguiam-se as divisões: aqui funcionava o escritório, ali o armazém, no outro lado o refeitório. Construíam-se estábulos, criavam-se espaços para acomodar os animais e lançavam-se projectos para aumentar o número de cabeças. A alegria era o resultado da esperança e confiança no futuro e este estava nas suas mãos!
Todos tomavam nota do que tinham a fazer e, no dia seguinte, partiam para realizar as suas tarefas.
Quando havia problemas de organização, lá estava o Instituto da Reorganização Agrária para apoiar, ajudando a pôr as unidades de produção agrícolas a funcionar. Semeava-se a terra, promovia-se a venda de produtos, organizava-se a contabilidade, pagavam-se os salários, cumpriam-se as obrigações fiscais, garantia-se a segurança social.
Foram criados apoios sociais, organizaram-se creches para os filhos dos trabalhadores. Se era necessário garantir cuidados de saúde, construía-se um posto médico. Se era essencial organizar cursos de alfabetização, tal era o grau de iliteracia no país, instruíam-se professores que os ministravam. Foram criados centros de apoio à terceira idade. Se era necessário ter mais braços para trabalhar na época das colheitas, organizava-se a solidariedade dos trabalhadores das fábricas e das cidades.
De Lisboa, do Porto, de muitas zonas do país, seguiam, bancários, empregados de escritórios, operários, mulheres, homens, jovens e todos iam cooperar na apanha do tomate, da fruta, dos vegetais. Assim se desenrolava a reforma agrária no nosso Alentejo.
Com esta gesta, os assalariados agrícolas de todo o Alentejo, construíram a reforma agrária e o que foi construído pelo povo trabalhador ficará na memória de todos os que conheceram a revolução agrária no Alentejo.
É um legado que ficará inscrito nos anais da História da Revolução do 25 de Abril de 1974.
Fonte: "Memória e Vida em Tempos de Abril" de Maria José Maurício