terça-feira, 10 de março de 2020



TEMPO DE TREVAS


Já me contava o meu querido sogro que em tempos de meninice e adolescência, lá para os idos anos das décadas de 50/60, na sua e nas terrazinhas da sua lembradura, na zona de Torres Novas, a vida era ruim mesmo. Desde o não terem calçado ou transportes (tinham que palmilhar kms a pé para ir apanhar o comboio, bicicletas nem pensar), escola longe e só até à 4ª classe. Os poucos abastados podiam aspirar a alcançar um nível de ensino superior ou uma escola profissional. Era o tempo da iliteracia e do analfabetismo, política oficial, pois que gente esclarecida e com instrução era tudo o que o regime não precisava. Fome era o dia a dia, tinham que a enganar com umas castanhitas ou fruta dos pomares, sem peixe (quando havia uma sardinha, era partilhada entre todos) e muito menos carne, a qualidade nutricional era mais que paupérrima. O que não faltava mesmo eram missas diárias, com fartura e as oratórias enfadonhas do Senhor Prior, sempre enquadradas com a cartilha de apoio ao regime. Igrejas por Km2 eram mato, mas isso já vem dos tempos antanhos da criação desta nossa pátria e da omnipresente pata clerical e dos seus infernos sobre as nossas pobres cabeças.
Para anestesiar as (in)consciências do povo e dar-lhe escape para descarregar as agruras da vida, lá tínhamos os fins-de semana da bola, do Eusébio, do Yazalde e do Cubillas... e o Fado! Fado sempre tem sido a vida deste povo tão maltratado!
Tempos que este povo não esqueceu mas que apesar de tanta porrada na vida, não aprendeu. Da alvorada madrugadora de Abril de 1974, surgiu a esperança gritada de lés-a-lés, que a ditadura tinha sido defenestrada, logo tinham sido corridos os detentores do poder e seus esbirros, os pides foram presos, o país era finalmente livre, podia-se falar, chorar de alegria. Era um tempo novo, um tempo de esperança. Durou 19 meses na zona de intervenção da reforma agrária. Durante esse tempo foram criadas instituições para o bem comum, o ensino foi alargado a todos os portugueses, promovida a rápida alfabetização do nosso povo. Foi criado o SNS e garantidos direitos consagrados na nova Constituição da República, como o direito à educação, saúde e habitação. Instituída a obrigatoriedade de férias e o seu pagamento, bem como a criação do chamado Subsídio de Natal ou 13º mês e criado o salário mínimo.
Porém, estes avanços não foram do agrado dos grandes agrários, dos saudosistas do regime deposto e, com o maior apoio da Igreja, nos seus púlpitos dantescos, inflamando consciências e gritando «cuidado os russos vêm aí» ou « cuidado que os comunas comem criancinhas ao pequeno almoço», movimentaram-se ( também à bomba, com assassinatos e assaltos a sedes partidárias) no sentido de parar a caminhada libertadora e progressista. A contra-revolução acabou por acontecer em 25-11-1975 e a partir daí até ao presente, grande parte das conquistas alcançadas foram sendo subvertidas e liquidadas, o capitalismo avançou, primeiro lentamente, mas as suas garras (com Soares e Cavaco) rapidamente transformaram o país no esterco  onde chafurdam os novos esbirros do nosso povo, sugando-o até ao tutano. Deixámos de ser um país independente, com decisão própria. Tudo é cozinhado e lavrado fora das nossa fronteiras. Não temos o controlo da nossa economia, do nosso destino. A moeda não é nossa, foi-nos imposta! Nada é nosso, tudo, ou quase tudo está vendido ao capital estrangeiro. Os grandes lucros, as mais- -valias vão para o estrangeiro, nada do que é lucro ou mais- valia fica no nosso país para nele investir! É o descalabro!
Nunca como hoje, houve tantos licenciados em Portugal, porém, a falta de consciência crítica, a anestesia e o marasmo da nossa sociedade em resultado também da manipulação a que o povo é sujeito pela CS (comunicação social) dominante (leia-se pró-capitalista), a mega corrupção e o nepotismo a todos os níveis da nossa sociedade e do Estado, levam a uma cada vez maior desistência do exercício cívico de votar, com o aumento alarmante da abstenção chegando a proporções inaceitáveis. A democracia não existe, morreu, o que existe é uma máscara de democracia, é um carnaval que dura os 365 dias do ano.
Mas o pior estará para vir. O capitalismo, no seu estertor, vai ressuscitando a besta do fascismo por essa Europa fora, com consequências previsíveis por conhecidas. Inacreditavelmente, ou talvez não, foi possível à casa que representa a democracia em Portugal, albergar já, manifestamente, um partido fascista, um cadáver fascista seu representante ao arrepio da própria constituição e o circo só agora começou.
Tempo de trevas, tempo de resistir de novo em liberdade ou na clandestinidade, mas resistir...


João Andarilho

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