OS PIDES
Não pude resistir a transcrever o relato divertidíssimo de uma tertúlia entre bons amigos e camaradas, entre os quais, Ary dos Santos, ocorrida numa noite ainda sob a pata do tenebroso regime do Salazar:
" Referia-se a si mesmo como a Tia.
Num país cinzento, triste e conservador, cruzou os céus como um brilhante cometa. Trouxe para o povo das ruas a poesia fechada em livros e salões.
Passava os dias a trabalhar, mas as suas noites eram de estroina. Copos e celebrações continuas. Homossexual, provocador, grande e briguento, às vezes a sua presença transformava em batalha campal uma noite que estava a ser de tédio.
Por volta de 1970 na zona da Estefânia, num almoço de amigos na casa de um camarada, num primeiro andar. Nada de grandes excessos porque na rua pacata e a vizinhança mantém próxima a vigilância, quase tão próxima como a PIDE que tinha debaixo de olho aqueles perigosos terroristas que escreviam versos e cantavam canções acompanhados à guitarra.
Pelo final da tarde, estando os amigos a ouvir uns discos de vinil, a PIDE interrompeu o convívio. Bateu à porta e quis identificar toda a gente.
Enquanto o dono da casa, na casa de banho tentava fazer desaparecer pelo cano alguns papéis comprometedores, um PIDE revistava a casa enquanto outro mantinha toda a gente na sala.
A Tia, bem bebida, acabou com o assalto da polícia política quando se despiu e completamente nu, saiu para a varanda daquele primeiro andar e gritou na sua voz que todos conhecemos e que chegava à Almirante Reis:
-- Socorro, socorro, estão aqui dois pides que me querem violar...
O pide ao tentar agarrar o corpo nu do poeta na varanda e trazer para dentro da casa, dava mais credibilidade à história.
A vizinhança toda à janela.
Claro que os pides desistiram de identificar os perigosos subversivos.
Mal sairam, a Tia voltou à sala e naquele tom teatral disse:
-- vocês já viram o que estas paneleiras fazem para me verem nu!?!??
Parabéns Tia. Farias hoje 83 anos e fazes falta camarada."
Créditos: Hélder Menor
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