BOCAGE
Um dos maiores génios da literatura portuguesa incompreensivelmente pouco valorizado pelo seu próprio povo. Nascido em Setúbal, junto ao Sado, em 15 de Setembro de 1765, filho de José Luís Soares de Barbosa, Juíz de Fora e ouvidor e de Mariana Joaquina Xavier l´Hedois Lustoff du Bocage, descendente de família Normandia, região do noroeste de França.
Foi o mais importante poeta do século XVIII. Foi o grande poeta do Arcadismo de Portugal. A sua poesia era uma poesia individualista e muito pessoal.
Alistou-se na Marinha de Guerra em 1783, graduando-se em seguida. Em 1786 viajou para o Brasil e para o oriente, permanecendo na Índia como guarda-marinha onde é promovido a tenente e mandado para Damão. Desertou da marinha fugindo para Macau passando a viver uma vida errante e boémia. Em 1790 regressou a Lisboa, iniciando a sua actividade literária, sob o pseudómino de Elmano Sadino, tendo participado da associação de poetas denominada "Nova Arcádia", escrevendo poesias que falavam de pastores, pastoras e ovelhas e da mitologia clássica.
O próprio nome do movimento foi tirado de Arcádia, região da Grécia onde, segundo a mitologia, pastores e pastoras levavam uma vida inocente e feliz, em contacto com a natureza. Mais tarde abandonou a poesia artificial e começou a falar do seu mundo interior, de seus dramas amorosos e existenciais, numa linguagem que encontrou grande receptividade entre os leitores da sua época e dos séculos seguintes, tornando-se o poeta mais lido em Portugal.
João Soneto
1. Nascemos para Amar
Nascemos para amar; a Humanidade
Vai, tarde ou cedo, aos laços da ternura.
Tu és doce atractivo, ó Formosura,
Que encanta, que seduz, que persuade.
Vai, tarde ou cedo, aos laços da ternura.
Tu és doce atractivo, ó Formosura,
Que encanta, que seduz, que persuade.
Enleia-se por gosto a liberdade;
E depois que a paixão na alma se apura,
Alguns então lhe chamam desventura,
Chamam-lhe alguns então felicidade.
E depois que a paixão na alma se apura,
Alguns então lhe chamam desventura,
Chamam-lhe alguns então felicidade.
Qual se abisma nas lôbregas tristezas,
Qual em suaves júbilos discorre,
Com esperanças mil na ideia acesas.
Qual em suaves júbilos discorre,
Com esperanças mil na ideia acesas.
Amor ou desfalece, ou pára, ou corre:
E, segundo as diversas naturezas,
Um porfia, este esquece, aquele morre.
E, segundo as diversas naturezas,
Um porfia, este esquece, aquele morre.
2. O Leão e o Porco
O rei dos animais, o rugidor leão,
Com o porco engraçou, não sei por que razão.
Quis empregá-lo bem para tirar-lhe a sorna
(A quem torpe nasceu nenhum enfeite adorna):
Deu-lhe alta dignidade, e rendas competentes,
Poder de despachar os brutos pretendentes,
De reprimir os maus, fazer aos bons justiça,
E assim cuidou vencer-lhe a natural preguiça;
Mas em vão, porque o porco é bom só para assar,
E a sua ocupação dormir, comer, fossar.
Notando-lhe a ignorância, o desmazelo, a incúria,
Soltavam contra ele injúria sobre injúria
Os outros animais, dizendo-lhe com ira:
«Ora o que o berço dá, somente a cova o tira!»
E ele, apenas grunhindo a vilipêndios tais,
Ficava muito enxuto. Atenção nisto, ó pais!
Dos filhos para o génio olhai com madureza;
Não há poder algum que mude a natureza:
Um porco há-de ser porco, inda que o rei dos bichos
O faça cortesão pelos seus vãos caprichos.
Com o porco engraçou, não sei por que razão.
Quis empregá-lo bem para tirar-lhe a sorna
(A quem torpe nasceu nenhum enfeite adorna):
Deu-lhe alta dignidade, e rendas competentes,
Poder de despachar os brutos pretendentes,
De reprimir os maus, fazer aos bons justiça,
E assim cuidou vencer-lhe a natural preguiça;
Mas em vão, porque o porco é bom só para assar,
E a sua ocupação dormir, comer, fossar.
Notando-lhe a ignorância, o desmazelo, a incúria,
Soltavam contra ele injúria sobre injúria
Os outros animais, dizendo-lhe com ira:
«Ora o que o berço dá, somente a cova o tira!»
E ele, apenas grunhindo a vilipêndios tais,
Ficava muito enxuto. Atenção nisto, ó pais!
Dos filhos para o génio olhai com madureza;
Não há poder algum que mude a natureza:
Um porco há-de ser porco, inda que o rei dos bichos
O faça cortesão pelos seus vãos caprichos.
3. Morte, Juízo, Inferno e Paraíso
Em que estado, meu bem, por ti me vejo,
Em que estado infeliz, penoso e duro!
Delido o coração de um fogo impuro,
Meus pesados grilhões adoro e beijo.
Em que estado infeliz, penoso e duro!
Delido o coração de um fogo impuro,
Meus pesados grilhões adoro e beijo.
Quando te logro mais, mais te desejo;
Quando te encontro mais, mais te procuro;
Quando mo juras mais, menos seguro
Julgo esse doce amor, que adorna o pejo.
Quando te encontro mais, mais te procuro;
Quando mo juras mais, menos seguro
Julgo esse doce amor, que adorna o pejo.
Assim passo, assim vivo, assim meus fados
Me desarreigam d’alma a paz e o riso,
Sendo só meu sustento os meus cuidados;
Me desarreigam d’alma a paz e o riso,
Sendo só meu sustento os meus cuidados;
E, de todo apagada a luz do siso,
Esquecem-me (ai de mim!) por teus agrados
Morte, Juízo, Inferno e Paraíso.
Esquecem-me (ai de mim!) por teus agrados
Morte, Juízo, Inferno e Paraíso.
4. És dos Céus o Composto Mais Brilhante
Marília, nos teus olhos buliçosos
Os Amores gentis seu facho acendem;
A teus lábios, voando, os ares fendem
Terníssimos desejos sequiosos.
Os Amores gentis seu facho acendem;
A teus lábios, voando, os ares fendem
Terníssimos desejos sequiosos.
Teus cabelos subtis e luminosos
Mil vistas cegam, mil vontades prendem;
E em arte aos de Minerva se não rendem
Teus alvos, curtos dedos melindrosos.
Mil vistas cegam, mil vontades prendem;
E em arte aos de Minerva se não rendem
Teus alvos, curtos dedos melindrosos.
Reside em teus costumes a candura,
Mora a firmeza no teu peito amante,
A razão com teus risos se mistura.
Mora a firmeza no teu peito amante,
A razão com teus risos se mistura.
És dos Céus o composto mais brilhante;
Deram-se as mãos Virtude e Formosura,
Para criar tua alma e teu semblante.
Deram-se as mãos Virtude e Formosura,
Para criar tua alma e teu semblante.
5. A Negra Fúria Ciúme
Morre a luz, abafa os ares
Horrendo, espesso negrume,
Apenas surge do Averno
A negra fúria Ciúme.
Horrendo, espesso negrume,
Apenas surge do Averno
A negra fúria Ciúme.
Sobre um sólio cor da noite
Jaz dos Infernos o Nurne,
E a seus pés tragando brasas
A negra fúria Ciúme.
Jaz dos Infernos o Nurne,
E a seus pés tragando brasas
A negra fúria Ciúme.
Crespas víboras penteia,
Dos olhos dardeja lume,
Respira veneno e peste
A negra fúria Ciúme.
Dos olhos dardeja lume,
Respira veneno e peste
A negra fúria Ciúme.
Arrancando à Morte a fouce
De buído, ervado gume,
Vem retalhar corações
A negra fúria Ciúme.
De buído, ervado gume,
Vem retalhar corações
A negra fúria Ciúme.
Ao cruel sócio de Amor
Escapar ninguém presume,
Porque a tudo as garras lança
A negra fúria Ciúme.
Escapar ninguém presume,
Porque a tudo as garras lança
A negra fúria Ciúme.
Todos os males do Inferno
Em si guarda, em si resume
O mais horrível dos monstros,
A negra fúria Ciúme.
Em si guarda, em si resume
O mais horrível dos monstros,
A negra fúria Ciúme.
Amor inda é mais suave,
Que das rosas o perfume,
Mas envenena-lhe as graças
A negra fúria Ciúme.
Que das rosas o perfume,
Mas envenena-lhe as graças
A negra fúria Ciúme.
Nas asas de Amor voamos
Do prazer ao áureo cume,
Porém de lá nos arroja
A negra fúria Ciúme.
Do prazer ao áureo cume,
Porém de lá nos arroja
A negra fúria Ciúme.
Do férreo cálix da Morte
Prova o funesto azedume
Aquele a quem ferve n’alma
A negra fúria Ciúme.
Prova o funesto azedume
Aquele a quem ferve n’alma
A negra fúria Ciúme.
Do escuro seio dos fados
Saltam males em cardume:
O pior é o que eu sofro,
A negra fúria Ciúme.
Saltam males em cardume:
O pior é o que eu sofro,
A negra fúria Ciúme.
Dos imutáveis destinos
Se lê no idoso volume
Quantos estragos tem feito
A negra fúria Ciúme.
Se lê no idoso volume
Quantos estragos tem feito
A negra fúria Ciúme.
Amor inda brilha menos
Do que sutil vagalume,
Por entre as sombras que espalha
A negra fúria Ciúme.
Do que sutil vagalume,
Por entre as sombras que espalha
A negra fúria Ciúme.
Sem comentários:
Enviar um comentário