terça-feira, 18 de dezembro de 2018




MARIA DA FONTE


Já ouviram falar? Será que sabem o que foi a Maria da Fonte?

Hoje olhei para a minha folha do ordenado do corrente mês. Obviamente o olhar, num ápice, deslizou para o canto inferior direito e poisou directamente na quadrícula daquilo que vou receber, a parte líquida que é o que sobra do que me foi gamado. Abri os olhos de espanto, pois achei o montante mais magrinho do que estava habituado. Mais espantado fiquei porque estava à espera de encontrar uma coisita mais gordita em virtude da subida de escalão (finalmente, após 9 anos e não sei quantos meses de congelamento nas progressões!). Qual a explicação para o meu espanto: com o aumento de escalão mudei de escalão em sede de IRS (acho que é assim que se diz), tendo-me sido retido o valor correspondente à taxa de retenção da Tabela do IRS, que, entretanto, não foi nem vai ser actualizada para 2019, conforme proposta de Partido Comunista Português e rejeitada pelo chamado arco da (des)governação conhecido por Partido Socialista, Partido Social Democrata e Centro Democrático Social. Resultado, fiquei com a parte líquida reduzida em cerca de € 22,00, portanto, mais pobre neste valor e o Estado engordou com a minha cara de espanto. Perceberam? Teoricamente era preferível ter-me mantido no escalão de 2009.

O que é que isto tem a ver com Maria da Fonte? A chamada revolta da Maria da Fonte teve como rastilho o aumento das exigências fiscais, o recenseamento da propriedade e a elaboração de matrizes prediais, a que o povo chamava de « papeletas da ladroeira », uma vez que a forma típica do capitalismo de concentrar propriedade é estrangular as classes médias e populares com registos e impostos. Tudo numa época em que tinham sido "vendidos ao desbarato os bens nacionais, as propriedade públicas, da Igreja, baldios etc. nacionalizados e incorporados no Estado e depois  transferidos para o domínio privado por meio de venda ou de remissão em hasta pública ", como diz o historiador António Martins da Silva. 

Será que o leitor já viu esta sequência na nossa vida quotidiana? É muito semelhante, primeiro o estado abocanha os bens públicos para numa segunda fase os privatizar.


A revolta começou em Fonte Arcada e propagou-se a todo o Minho, segundo a historiadora Raquel Varela, " com assaltos do povo às juntas de freguesia, apedrejadas e atacadas com todas as armas que havia à mão: foices, roçadoras, alavancas, chuços, espingardas. Em poucas semanas, propagou-se do Minho a Trás-os-Montes, Estremadura e Beira. Já não era uma revolução de Marias da Fonte Arcada: o povo tomava as aldeias e vilas e fazia juntas revolucionárias, que ameaçavam estender-se a cidades como Porto e Santarém. Os revolucionários são então definidos como violentos, ladrões e assassinos ou «beatas fanatizadas pelos apostólicos». Quem nela participou chamou-lhe « a revolução mais gloriosa da Nação portuguesa ». Na sequência do levantamento popular, o governo de Costa Cabral (imortalizado na canção de Zeca Afonso «o Cabral fugiu para Espanha»), teve de fugir mesmo porque o povo não cedeu àquilo que era seu.
A revolta transformou-se numa revolução - a Patuleia -, com guerra civil. Foi aproveitada pela Igreja e sectores reaccionários - porque eram as únicas direcções que existiam - mas não deixou de ser uma revolta popular contra a expropriação das terras comunais e públicas. Para derrotar o povo, o governo português pediu a intervenção dos exércitos ingleses e espanhóis, que em 1847 invadiram o país, por mar (ingleses) e por terra (espanhóis). Quem ganhou foram, entre outros, burgueses como o Duque de Palmela, que compraram todas as terras ao preço da chuva. Hoje, aliás, os seus descendentes estão entre os maiores latifundiários do país - pensa-se mesmo que os maiores - detendo milhares de hectares no Alentejo, Arrábida e Ribatejo e dezenas de palácios em Lisboa, na Baixa, no Lumiar entre muitas outras propriedades.
« Papeletas da ladroeira ». Havia gente séria lá no Minho. […] Quero ir lá e não ter que pagar portagem ao Marquês de Amorim ou ao conde de Champalimaud, mesmo que seja um eurozito, ali à entrada de Viana. Já dizia o velho provérbio popular do século XIX, quando mercenários, criminosos fugidos, contrabandistas, pegaram em espadas para ficar com os bens nacionais e aí foi-lhes dada terra roubada e um título que vigora até hoje na Quinta da Marinha, século em que se começaram a formar os grandes grupos económicos, famílias de « grande tradição e história »: « Foge cão, que te fazem barão! Para onde, se me fazem visconde? » "

Hoje mesmo, o povo começa a estar farto desta gente « É fartar Vilanagem ». O povo mexeu-se em França, está a mexer-se noutros países europeus. O roubo, o saque é pornográfico. Os salários minguam, os impostos dobram-nos a espinha, mas a dignidade ninguém a tira. Antes era a Maria da Fonte, hoje são os coletes amarelos, somos todos nós, os espezinhados.
Hoje vi com espanto a minha folha do ordenado!

João Metalúrgico.


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