quarta-feira, 12 de dezembro de 2018




             PARA ONDE VAI PORTUGAL?

             Zeinal Bava, então presidente executivo da Portugal Telecom, foi condecorado em 2014 pelo presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, com a Grande Cruz da Ordem do Mérito empresarial. Ricardo Salgado, director-geral do Banco Espírito Santo, a maior falência bancária da história do País, tinha recebido das mãos do reitor do ISEG, prestigiada faculdade de Economia, o doutoramento honoris causa poucos meses antes de ter levado o banco à falência. No discurso da cerimónia solene, João Duque proferiu as seguintes palavras: « O BES […] é um exemplo de liderança e de visão de quem conhece o negócio […] e zela pelo activo mais precioso da actividade bancária: a confiança.»
            O que têm em comum os dois gestores, além do reconhecimento institucional de mérito?  O reconhecimento público do demérito. Terem levado à falência, ou próximo, gigantes que geriram, pondo em causa a vida de milhões de pessoas, dos trabalhadores que lá trabalham, dos que têm relações comerciais e/ou de prestação de serviços com estas empresas, dos contribuintes portugueses e por arrasto, do Estado social, que tem vindo a ser descapitalizado, transformando em dívida pública negócios privados falidos. O Banco Espírito Santo, outrora o segundo maior banco privado português, faliu e foi salvo, até agora, por uma injeção maciça de dinheiro público num valor de quase 5 mil milhões de euros! A Portugal Telecom, que como todas as empresas públicas era considerada então mal gerida (por ser pública) e que sob gestão privada iria ser muito mais bem-sucedida, valia, em 1999, 11 mil milhões de euros. Em Outubro de 2014 valia 1400 milhões, quase 10 vezes menos. Num dos seus discursos, satirizado pelo grande público por recorrer sistematicamente a gíria anglo-saxónica incompreensível para a maioria da população, Bava disse algo com sentido: « Nós dizemos que os activos têm pernas e vão dormir a casa », ou seja, as empresas públicas capitalizadas transformaram-se em valores privados de um grupo restrito de acionistas. 


            O que aconteceu para a PT falir? Uma invasão de gafanhotos do deserto? Uma tempestade bíblica que arrasou o País, destruiu as infraestruturas? Não, a Portugal Telecom entretanto distribuiu mais de 10 mil milhões de euros de dividendos. De referir o escândalo fiscal - de os dividendos em Portugal serem taxados sobre 50% (os acionistas só pagam impostos sobre 50% do respectivo valor), como se de escritores ou músicos pobres se tratasse e tivessem direito a um perdão fiscal pelo contributo que dão à sociedade…
        Quem nos trouxe até aqui não nos vai tirar da crise. Zeinal Bava disse, premonitoriamente, no discurso em que recebeu a Grande Cruz da Ordem de Mérito: « Vamos continuar a fazer mais e melhor. »

Raquel Varela, historiadora no seu livro "Para onde Vai Portugal?"

João Atónito

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