DIA 2
A PRIMEIRA TROMBETA
Para a Carol Loff
Atravessamos descalços a planície vermelha.
Em cada cela um condenado sonha,
Deitando a cabeça loira no ombro da distância
E fumando navios.
Em cada porto um veleiro fantasma aparelha para a grande
[viagem proibida,
Carregado de esperanças e palavras que não têm guarida
[em nenhum sítio da terra.
Atravessamos descalços a planície vermelha.
O sinal dos tempos apunhala-nos a memória.
Nada reconhecemos
A não ser a face impassível que nos ameaça,
A sombra das idades que nos persegue,
A terrível violência da voz que nos acusa
E nem o sangue dos séculos consegue aplacar.
Atravessamos descalços a planície vermelha
Onde quer que paremos, espera-nos o cavaleiro da
[armadura de ferro,
Trespassando-nos o corpo com seus olhos de fogo
E não deixando nem um segredo aos nossos corações
[aflitos,
Nem um soluço às nossa gargantas estranguladas.
Atravessamos descalços a planície vermelha.
As cidades destruídas dormem ao relento do ódio,
As sentinelas de sal vigiam o repouso petrificado dos
[deuses,
A noite assiste em silêncio
A todos os crimes perpetrados no horizonte.
Atravessamos descalços a planície vermelha
Os agoiros do céu predizem-nos os passos,
Os indícios do vento gelam-nos os ossos.
Despojados de lágrimas devoramos o medo
Enquanto em cada porto um veleiro se afunda,
Enquanto em cada cela se assassina um anjo.
Ary dos Santos
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