sábado, 5 de setembro de 2020

DIA 2

 


DIA 2



A PRIMEIRA TROMBETA


Para a Carol Loff



Atravessamos descalços a planície vermelha.


Em cada cela um condenado sonha,

Deitando a cabeça loira no ombro da distância

E fumando navios.

Em cada porto um veleiro fantasma aparelha para a grande

[viagem proibida,

Carregado de esperanças e palavras que não têm guarida

[em nenhum sítio da terra.


Atravessamos descalços a planície vermelha.


O sinal dos tempos apunhala-nos a memória.

Nada reconhecemos

A não ser a face impassível que nos ameaça,

A sombra das idades que nos persegue,

A terrível violência da voz que nos acusa

E nem o sangue dos séculos consegue aplacar.


Atravessamos descalços a planície vermelha


Onde quer que paremos, espera-nos o cavaleiro da 

[armadura de ferro,

Trespassando-nos o corpo com seus olhos de fogo

E não deixando nem um segredo aos nossos corações

[aflitos,

Nem um soluço às nossa gargantas estranguladas.


Atravessamos descalços a planície vermelha.


As cidades destruídas dormem ao relento do ódio,

As sentinelas de sal vigiam o repouso petrificado dos 

[deuses,

A noite assiste em silêncio

A todos os crimes perpetrados no horizonte.


Atravessamos descalços a planície vermelha


Os agoiros do céu predizem-nos os passos,

Os indícios do vento gelam-nos os ossos.

Despojados de lágrimas devoramos o medo

Enquanto em cada porto um veleiro se afunda, 

Enquanto em cada cela se assassina um anjo.


Ary dos Santos




Sem comentários:

Enviar um comentário

  SÃO JOÃO   "23.6 À meia noite de hoje (ontem) acendem-se os fogos. A multidão reúne-se em redor das altas fogueiras. Nesta noite limp...