quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

 

RESIGNAÇÃO (título meu)




Tive de aceitar...


Aceitar o tempo - esse

mistério esquivo que foge à

minha compreensão.

Aceitar que a eternidade é um

enigma para a mente mortal.

Que meu corpo, frágil e

efémero, não é imortal.

Que ele envelhecerá, lentamente.


Tive de aceitar que somos 

feitos de memórias,

mas também de

esquecimentos.

De desejos não realizados,

ruídos e silêncios.

De sussurros fugazes e

noites estreladas,

tecendo histórias em

detalhes subtis.


Tive de compreender que

tudo é passageiro,

que nada dura para sempre, 

que meus filhos um dia

voariam,

esculpindo seus próprios 

caminhos, longe de mim.

Eles nunca me pertenceram,

como imaginei por um 

instante.

Sua liberdade para ir, vir e

escolher

era tão preciosa quanto

o amor que eu nutria por eles.


Tive que aceitar que varrer

minha calçada todas as 

manhãs

era só um doce engano.

Um gesto para convencer-me

de que aquele pequeno canto

do mundo

era meu, quando nunca foi.

Minha casa, meu abrigo -

um tecto transitório que, um

dia, abrigará outra vidas, 

outras histórias.


Tive de compreender que

meu apego às coisas,

aos seres, aos lugares,

só tornará mais doloroso o

momento de dizer adeus.

As árvores que plantei,

 as flores que cuidei,

os pássaros que eu ouvi cantar

-

todos estavam apenas de 

passagem, 

assim como eu.


Tive de aceitar meus defeitos,

minha fragilidade,

minha condição de ser fugaz,

condenado a desaparecer,

enquanto a vida continuará 

fluindo,

como um rio indiferente à 

minha  memória.


E tive de aceitar que, um dia,

eu seria esquecido.


Por isso, cuidemos da nossa 

alma,

pois ela é a única coisa

que verdadeiramente nos 

pertence.


Sílvia Schmitt


2 comentários:

  1. É uma revelação, não conhecia este extraordinário poema e que bom e estranho ao mesmo tempo é ler, sem palavra a mais ou a menos, aquilo que sentimos quase diariamente nesta breve passagem pelo mundo-cão... Por isso, planeta cópio e carpe die...

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  2. Extraordinário, mesmo, porque tudo está nele...

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