quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019




CURTO E CONCISO


Que me desculpem os meus especiais amigos J. C. e M.S., mas achei por bem fazer uma analogia entre ambos e as personalidades descritas a páginas tantas da "Colmeia" de C.J.C. , ou sejam, o Sr. Ibrain de Ostolaza y Bofarull e um outro personagem um marido que regressava do seu trabalho
Após a verbalização de tão distintas alegações por parte do ilustre causídico ouvir uma barbaridade daquelas é obra!

Reza assim:

«O Sr. Ostolaza y Bofarull mirou-se ao espelho, acariciou a barba e exclamou: 
- Senhores académicos: não queria fazer-vos perder mais tempo, etc, etc. (sim, isto sai perfeito... a cabeça com um gesto arrogante... tenho de ter cuidado com os punhos, porque às vezes saem de mais, parece que vão levantar voo.)
O Sr. Ibrain acendeu o cachimbo e começou a andar para trás e para diante. Com uma mão nas costas da cadeira e com a outra erguida, segurando o cachimbo, continuou:
- Como admitir, como quer o senhor Clemente de Diego, que o usacapião seja o modo de adquirir direitos pelo exercício dos mesmos? Salta à vista a escassa consistência do argumento, senhores académicos. Perdoem-me a insistência e permitam-me que volte, mais uma vez, à minha velha invocação da lógica; sem ela, nada é possível no mundo das ideias. (Aqui, provavelmente, haverá murmúrios de aprovação.) Não é evidente, ilustres académicos, que para usar algo é necessário possuí-lo? Adivinho no vosso olhar que pensais assim. (Aqui, um deles talvez diga em voz baixa: «evidentemente, evidentemente.»)
Deste modo, se para usar algo é necessário possuí-lo, poderemos, pondo a oração na voz passiva, assegurar que nada pode ser usado sem uma prévia posse.
Ibrain avançou um pé no tablado e acariciou, com um gesto elegante, as lapelas da sua batina.. Ou melhor: do seu fraque. Depois sorriu.
- Pois bem, senhores académicos: assim como para usar algo há que possuí-lo, para possuir algo há que adquiri-lo, já que nada, absolutamente nada, pode ser possuído sem uma prévia aquisição. (Talvez me interrompam com os aplausos. Convém estar preparado.)
A voz de Ibrain suava solene como a de um fagote. Do outro lado do tabique  um marido que regressava do trabalho perguntou à mulher:
- A pequerrucha já fez cocó?


Ibrain sentiu um pouco de frio e aconchegou o cachecol. No espelho destacava-se um lenço preto - o que costuma usar todas as tardes com o fraque.»

João Andarilho

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