sexta-feira, 28 de junho de 2019


MEDITAÇÃO


«Em resumo, tudo o que respeita ao corpo, um rio; e a alma, sonho e fumo; a vida, uma guerra, um exílio no estrangeiro; a fama póstuma, o esquecimento. Que pode então guiar-nos? Única e exclusivamente a filosofia. E ela consiste em velar o Deus interior, para que permaneça isento de ultraje e prejuízo, que triunfe dos prazeres e sofrimentos, que nada faça impensadamente, que se abstenha de mentira e de dissimulação, não tenha necessidade que os outros façam ou deixem de fazer isto ou aquilo; por outro lado, que aceite o que lhe acontece e constitui a sua parte, como vindo dessa origem remota donde ele próprio veio; sobretudo que aguarde a morte de alma serena, não vendo nela mais que a dissolução dos elementos de que é composto cada ser vivo».

In "Pensamentos Para Mim Próprio" - MARCO AURÉLIO
Extraído do blog: livraria, livros, ideias, sentimentos, de José António Barreiros e Adriana Barreiros


TRUMP(A) II

Há quem diga e houve-se falar que existem espécies de animais que se suicidam em massa, ultrapassado que seja o limite a partir do qual seja impossível a sobrevivência da espécie. É a resposta à sobre-população.
Recentemente, o grande documentarista/naturalista britânico, David Attembourouh, afirmou que a espécie humana é a praga deste planeta e alertou para que a humanidade pusesse freio ao seu descontrolado aumento populacional, sob pena de a sua própria extinção acontecer muito mais rapidamente. Aconselhou, ainda, uma melhor educação das populações nesse sentido, com programas de controlo da natalidade, principalmente nas zonas do planeta menos desenvolvidas e onde esse aumento populacional se verifica.

Observadoressociais.blogspot.com

Um dos grandes poluidores do planeta é a terra do tio Trump(a), que não se coíbe de recusar assinar acordos internacionais para a salvaguarda do planeta a nível ambiental. As consequências, inclusivamente na sua terrinha são dramáticas e bem sentidas. Aliás, não só polui e polui porque produz descomunalmente, como manda o lixo para os outros países sem despudor nenhum.
Mas o homem até é capaz de ter razão e age como um autêntico líder daquelas espécies sobre-populosas que acabam por se suicidar em massa. O que acontece actualmente no planeta é a resposta da natureza aos atropelos de que é vítima pelos Trump(as) deste mundo. A reacção em forma de cataclismos naturais promove o desaparecimento de milhares de seres humanos. As guerras promovidas pelos Trump(as) e seus apaniguados belicistas, será também uma forma de controlo do aumento populacional. Não é burro de todo.
Mas, meus amigos, com Trump(a) ou sem Trump(a), estamos condenados. A nossa espécie, tal como milhares de outras, é uma daquelas que, inevitavelmente, irá extinguir-se e a Terra continuará a existir até muitos milhões de anos depois da nossa presença. É um facto, é adquirido. 
Não somos nada, apenas um grão de poeira que por cá passou.

João Attemborouh


TRUMP(A)


Mesmo em frente ao Centro Vasco da Gama e junto à alameda das bandeiras no Parque das Nações, mostra-se exposta uma grande escultura, assinada na sua base por Bordalo II, toda ela construída a partir de desperdício de plásticos. Representa a figura de um felino, imagino que possa ser um lince, ou um gato doméstico, não sei. Todavia, a mensagem subjacente e subliminar que transmite é o grito desesperado a favor da vida, contra o desperdício, por uma vivência em sociedade em equilíbrio com a natureza, auto-sustentada. Não sei se este grito chega aos ouvidos dos decisores mas é mais um a juntar a tantos outros e muito barulho chama a atenção.

Parque das Nações - Lisboa
(foto do autor)

Parque das Nações - Lisboa
(foto do autor)

Parque das Nações - Lisboa
(foto do autor)

Parque das Nações - Lisboa
(foto do autor)

João Attembourouh

domingo, 23 de junho de 2019




NATURISMO/NUDISMO



Que espírito será tão cego e vazio que não entenda que o pé humano é mais nobre que o sapato que o calça, e que a pele humana é mais bela do que as vestes com que a cobrimos" (Engels 1820-1895)



Embora uma e outra tenham em comum o facto de se mostrarem nus, nem sempre o nudista é naturista convicto ou sequer naturista. Ser naturista pressupõe haver predisposição para ser imbuído com a natureza e com o meio ambiente, a sua defesa, preocupação e ser o mais possível conforme a ela praticando um estilo eco-sustentável.


"Ser naturista é mais uma filosofia de vida do que uma prática social, embora conjugue as duas".


Em Portugal haverá cerca de oito mil praticantes de nudismo e para a sua prática de uma forma legal, exceptuando o espaço privado da minha casa e para quem se mostre interessado em saber, existem 4 praias no país: Meco, em  Sesimbra, Bela Vista, na Costa da Caparica, uma zona na Ilha de Tavira, no Algarve e na Praia do Salto, perto de Porto Côvo. 
Existem, ainda, 15 praias onde o nudismo é tolerado, entre as quais a Praia de Alife - Viana do Castelo; Praia do Salgado - Nazaré; Praia da Ursa - Cabo da Roca; Praia da Fonte da Telha - Costa de Caparica; Praia de Tróia - Setúbal; Praia das Furnas - Vila Nova de Milfontes; Praia do Telheiro - Sagres.



Igualmente podem surgir actividades sociais em que a prática saudável do nudismo/naturismo possa estar associada como é o caso do desporto. Neste caso concreto existe uma corrida que já vai na sua sétima edição, designada "Légua Nudista Internacional do Meco", realizada anualmente na praia com o mesmo nome e cuja adesão ronda a centena de participantes ou um pouco mais. Todavia, acredito que no futuro possa ser cada vez maior a adesão, uma vez que o aumento da prática  do nudismo/naturismo e da corrida, faz antever tal possibilidade.
Como recente adepto deste tipo de actividades (nudismo/naturismo) e já maduro na corrida, deixo aqui testemunho que facilmente descartei algum tipo de preconceito que tivesse para com a nudez porque é preconceito que se trata. Respeito o pudor que as pessoas possam ter para com a nudez, mas isso não me coíbe de dizer que automaticamente me integrei num ambiente natural, despretensioso, respeitoso e me senti melhor como pessoa. 




Nus somos todos iguais

João Nudista/Naturista

quinta-feira, 20 de junho de 2019



REAL FÁBRICA DO GELO


Em Setembro de 2019, eu e um grupo de talentosos bttistas da Lourinhã, "Os Pedálentos" decidiu fazer o percurso que dista, desta vila dinossáurica, até ao ponto mais alto da Serra de Montejunto. Se bem o pensámos melhor o fizemos. Porque foi uma fantástica manhã de convívio e por, a final da escalada, ter-me sido dado a conhecer por amigos, veteranos destas paragens, um local mágico mesmo e desconhecido da grande maioria dos portugueses e dos lisboetas em particular.

Créditos: Maurício Santos
No ponto mais alto desta serra, 600 m acima do nível do mar, ergueu-se em tempos idos a Real Fábrica do Gelo que, durante 120 anos, forneceu à corte de Lisboa e mais tarde aos cafés mais chiques da capital, blocos de gelo para a refrescarem. Pude assim, observar in loco, o que resta dos 44 tanques de pedra que se destinavam ao congelamento da água das chuvas aí depositadas. 
Foi mandada construir por três sócios, um espanhol, um italiano e um francês, em 1741, segundo conta, Carlos Ribeiro, um dos guias da Real Fábrica do Gelo. A escolha recaiu na Serra de Montejunto devido às condições climatéricas existentes e por ficar localizada perto de Lisboa, a cerca de 50 km. Demorou cerca de 6 anos a ser construída e teve um custo entre 40 e 45 mil cruzados, valor exorbitante para a época. Porém, considerada necessária porque sua altezas reais assim o desejavam e os seus caprichos serem ordens (hoje em dia os caprichos de suas altezas reais que nos (des)governam são muitos, mais caros e variados, por isso é que estamos f***+dos).
Então, segundo Carlos Ribeiro, a unidade estava dividida em dois sectores: o da produção de gelo e a do armazenamento e tinha pormenores de construção muito avançados. Como exemplo, no fundo do enorme silo de armazenamento principal, em pedra (tem 10 m de profundidade e 7 de largura), era colocada uma grelha de madeira sobre um conjunto de pedras salientes, para o gelo que derretia não ficar em contacto com o restante bloco. Além disso, no fundo do silo existia um dreno que escoava essa água para o exterior.
Não é difícil imaginar mas a profissão era extremamente exigente. Dos poços e dos tanques de armazenamento, a água da chuva era enviada para os 44 tanques de congelação, com recurso a um sistema de nora puxado por animais. A água distribuía-se, assim, por gigantescas couvettes a céu aberto, para a natureza tratar de a congelar. O congelamento acontecia de noite quando as temperaturas eram mais baixas. Nessa altura, o guarda da fábrica descia à aldeia de Pragança e, de corneta em riste, acordava os homens que se iriam dedicar ao labor de tirar os enormes blocos de gelo dos tanques, transportá-los às costas e compactá-los nos silos. Tudo isto tinha de acontecer antes do sol nascer. Era um trabalho de escravatura, feito de noite, por homens mal vestidos e mal calçados, com temperaturas baixas e tudo isto para que o reizinho e pares se pudessem deliciar com bebidas geladas. Porque a necessidade era maior e se sobrepunha à dor, estes homens de bem dormiam acordados, vigilantes e à espera do som da corneta. Ainda assim, só os mais rápidos que conseguissem subir a serra é que tinham a "sorte" de ser os escolhidos.
Foi uma actividade que durou meio século e que ainda hoje está imortalizada numa frase que é conhecida pelos mais antigos pragantinos: "quando o silo grande estava cheio de gelo, era o silo do lado (mais pequeno) que estava cheio de moedas de ouro".    
O transporte do gelo, então, era uma tarefa bárbara (faz-me lembrar o episódio da construção do Convento de Mafra descrita na obra maior de Saramago - Memorial do Convento). Armazenados durante o Inverno, era em Junho que eram encaminhados para a capital do reino, tarefa monumental ao longo de 50 Kms. A primeira fase acontecia numa primeira zona também chamada fábrica de neve, junto aos silos, em que os homens cortavam o gelo em enormes paralepípedos, envolvendo-os em palha e serapilheira. Ficavam no silo de expedição até seguirem para o dorso dos burros que os levava serra abaixo. Como não existiam estradas, os animais seguiam por carreiros e só no sopé da serra é que encontravam os carros de bois ou carroças em que depois se acomodava o gelo até à vala do Carregado, A partir daqui, os blocos de gelo (envolvidos em palha e serapilheira), seguiam pelo Rio Tejo, durante a noite, até ao Terreiro do Paço, nos barcos da neve, num trajecto que demorava 12 horas. Daqui era levado para a Casa da Neve, num local que, tempos depois, deu lugar ao actual Martinho da Arcada e, a partir daqui, seguia para a Corte, para os cafés e para o Hospital de Todos os Santos, localizado na actual Praça da Figueira.
Destes tempos ainda se encontram alguns vestígios na Baixa Lisboeta, nomeadamente na fachada da antiga pastelaria Pomona (na Rua da Prata nº 113), ou o Café Gelo, no Rossio.


Créditos: João Carlos Ferreira

Desta aventura resultou, para além do divertimento e são convívio, um cheirinho de cultura e de aprendizagem e que aqui deixo registado para memória futura.

João Andarilho

       

domingo, 16 de junho de 2019




O SONO


«... o sono é das derradeiras experiências em que nos abandonamos, conscientemente ou não, à assistência de terceiros. Por mais solitário e privado que pareça, ainda não foi separado de um rendilhado inter-humano de assistência e confiança mútua, por mais quebradas que estejam estas associações. É também uma libertação periódica da individuação - um desembaraçar nocturno do emaranhado mal urdido das subjectividades superficiais que habitamos e gerimos durante o dia. Na despersonalização da sonolência, quem dorme vive num mundo em comum, numa dramatização partilhada do retirar da nulidade e desperdício da práxis 24/7. Porém, apesar de todos os modos por que o sono não pode ser explorado nem assimiladado, dificilmente constitui um enclave na ordem global vigente. O sono sempre foi poroso, banhado pelos fluxos da actividade de vigília, ainda que hoje esteja mais exposto do que nunca aos assaltos que o corroem e diminuem. Apesar destas degradações, o sono é a recorrência nas nossas vidas de uma espera, de uma pausa. Afirma a necessidade de adiar, e o resgate ou recomeço diferido do que quer que tenha sido adiado. O sono é uma remissão, um libertar da "permanente continuidade" de todas as linhas que nos emaranham na vigília. Parece demasiado evidente dizer que o sono exige um afastamento periódico de redes e aparelhos para entrar num estado de inactividade e inutilidade. É uma forma de tempo que nos leva a outro lado, que não o que possuímos ou aquilo que nos dizem que precisamos.

Na minha opinião, o sono moderno inclui o intervalo antes do sono - ficar acordado numa quase escuridão, numa espera indefinida pela desejada perda de consciência. Durante este tempo suspenso, , ocorre uma recuperação das capacidades perceptuais que são desactivadas ou ignoradas durante o dia. Há o reclamar involuntário de uma sensibilidade ou capacidade de resposta a sensações internas e externas com uma duração não-métrica. Ouve-se os ruídos do trânsito, um cão que ladra, o murmurar de um aparelho de ruído branco, as sirenes da polícia, os canos que rangem, ou sente-se o súbito estremecer dos membros, o sangue que pulsa nas faces, vêem-se com os olhos fechados as flutuações granulares da luminosidade retiniana. Depois, uma sucessão irregular de pontos infundados de foco temporário e atenção inconstante, bem como o aparecimento hesitante de episódios hipnagógicos. O sono coincide com a metabolização do que se ingere durante o dia: medicamentos, álcool, todos os detritos da interface com écrans luminosos; mas também a torrente de ansiedades, medos interrogações, anseios, idealizações da vitória ou da derrota. Trata-se, noite após noite, da monotonia do sono e da ausência dele. É, na sua repetição e exposição, um dos vestígios invictos do quotidiano.
Uma das razões por que há muito as culturas humanas associam o sono à morte é cada um deles, sono e morte, demonstrar a continuidade do mundo na nossa ausência. Porém, a única ausência temporária de quem dorme contém sempre uma ligação ao futuro, a uma possibilidade de renovação, logo de liberdade. É um intervalo ao qual podem chegar, perto da orla da consciência, lampejos de uma vida não vivida, de uma vida adiada. A expectativa noturna do estado insensível do sono profundo é simultaneamente a antecipação de um acordar que pode ter algo imprevisto. Na Europa pós-1815, ao longo de várias décadas de contra-revolução, retrocessos e perdas de esperança, houve artistas e poetas a intuir que o sono não era necessariamente uma evasão ou fuga da história. Percy Bisshe Shelley e Gustave Coubert são dois exemplos de indivíduos que sabiam que o sono era outra forma de tempo histórico - que nele a suspensão e aparente passividade também contemplavam a agitação e inquietude da transformação, essencial para o nascimento de um futuro mais justo e igualitário. Hoje, no século XXI, o desassossego do sono apresenta uma relação mais conturbada com o futuro. Situado algures no limiar entre o social e o natural, o sono assegura a presença no mundo dos padrões faseados e cíclicos essenciais à vida e incompatíveis com o capitalismo. É preciso ler a sua persistência anómala numa relação com a destruição em curso dos processos que sustentam  a existência no planeta. Não podendo o capitalismo restringir-se a si próprio,  a ideia de preservação ou conservação é uma possibilidade sistémica. É neste contexto que a inércia restauradora do sono contraria a mortalidade de toda a acumulação, financeirização e desperdício que arrasou tudo aquilo que se tinha por comum. Hoje um só sonho suplanta todos os outros: o de um mundo partilhado cujo destino não é terminal, um mundo sem multimilionários, com um futuro que não o barbarismo ou do pós-humano e no qual a história possa assumir formas outras, para lá dos pesadelos reificados de catástrofe. É possível que - em muitos lugres diferentes, em muitos estados distintos, como o devaneio ou o sonhar acordado - as idealizações de um futuro sem capitalismo comecem sonhando o sono. Seriam pistas para o sono como interrupção radical, recusa do impiedoso peso deste presente global, um sono que, no grau mais mundano da experiência quotidiana, possa sempre tentar esboçar aquilo que poderiam ser renovações e começos mais consequentes.»

Jonathan Crary in "24/07 O Capitalismo Tardio e os fins do sono"



Coninhas


***

24/7 é um livro extremamente perturbador. Perturbador porque desmonta a teia em que a nossa vida se enredou. Do que depreendi da sua tese, que é plasmada nesta obra, é que vivemos tempos comprometidos com uma ideologia anti-pessoa, anti-humanidade onde quem manda é o poder do dinheiro e o fim último a maximização da produtividade e a multiplicação do lucro à custa da privacidade da pessoa e, eventualmente, a privação última do direito inalienável que é o direito ao sono. Privação essa que não parece plausível que possa acontecer embora seja o último grande ensejo do capitalismo, que o considera uma afronta. Afronta porque põe em causa um tempo fora da vigília, um tempo que considera não ser produtivo e, como tal, abominável à luz da razão de ser do capitalismo.
Na parte final desta tese de Jonathan Crary, todavia, o autor e estudioso transmite-nos a possibilidade da humanidade conseguir sair deste emaranhado, desta rede que nos prende, mostrando optimismo no Homem e no desmoronamento desta ideologia económica ultra-liberal, cega que é o capitalismo. E esse desmoronamento passa pelo sono e pelos sonhos de cada um e que a besta não pode impedir.
É a transcrição dessa passagem final do livro que não pude deixar de fazer para memória futura. Porque sonhar é viver...



João Andarilho 

sábado, 15 de junho de 2019



RADICAIS LIVRES


< A maior parte dos meus grandes amigos – os vivos e os mortos – são ou foram meus correligionários de ideias e companheiros de combates. O Ruben de Carvalho, militante de sempre do PCP, membro do Comité Central do Partido, preso várias vezes antes do 25 de Abril, não pertencia, claramente, a essa maioria. Mas era um amigo muito especial.
Embora acompanhasse há cerca de três semanas o seu estado de saúde – um traumatismo que num país normal e civilizado não teria nunca acontecido e que o deixou em coma –, foi para mim um grande choque quando soube esta manhã da sua morte.
Fazia com ele, desde 2015, os Radicais Livres, na Antena 1. E, ao longo destes anos, em que jantámos muitas vezes e passámos muitas horas juntos, o que recordo dele é precisamente essa radicalidade livre, um dom sempre raro mas mais raro ainda em quem, como ele, tinha uma fidelidade partidária; e uma fidelidade séria, das antigas, uma fidelidade pela qual se sacrificara e se sacrificava.
Como todos os homens grandes, generosos e conscientes do mundo e da História, falava dos seus tempos de prisão e de isolamento na prisão com sobriedade, com humildade, sem teatralidades, sem entrar naquele
martirológio dos que não passaram por nada e se entretêm a inventar passados e perfis úteis.
Quando o Ruben aceitou entrar num programa em que dois “radicais” – um comunista e um nacionalista (ou “fascista”, como os antifascistas gostam de dizer) – iriam discutir ideias, factos, efemérides históricas e falar de livros, filmes e de tudo um pouco, não resisti a perguntar-lhe:
– E a sua Filarmónica deixa-o? (“Filarmónica” era o nome gracioso, afectuoso e certeiro com que o melómano Ruben de Carvalho se referia em privado ao Partido Comunista.)
– Eu já sou muito velho e também sou muito velho na minha Filarmónica –, respondeu-me.
Que é como quem diz, sou livre, comprometido, convicto mas livre. E era. Sem nunca deixar de ser leal. Eu, que não tenho Filarmónica, admirava o equilíbrio que conseguia. E quando as coisas se encaminhavam para a escalada, um de nós deixava cair uma piada, riamos e mudávamos de assunto.
Começámos o programa em Outubro de 2015 com o Luís Marinho e a partir do Verão de 2016 estivemos com o Rui Pego, que nunca tentaram “moderar” a nossa “radicalidade” (só, ocasionalmente, a nossa errância).
Por decisão de princípio, não falávamos de política partidária, conscientes de que havia gente a mais a falar disso e a zangar-se por causa disso. Fora disso, falávamos de tudo – de “quadradinhos”, guerras, comunismo, fascismo, de Lenine, de Mussolini, do passado português e, claro, do Estado Novo (a que ele chamava “fascismo” e eu “nacionalismo autoritário”).
Contrapor “nacionalismo autoritário” a “fascismo” era já uma graça que partilhávamos, por isso, quando, este ano, fizemos um programa dedicado aos 100 anos da fundação dos fasci de combatimento (já tínhamos feito um sobre os 100 anos da Revolução de Outubro), comecei logo por dizer que íamos falar dos “100 anos do nacionalismo autoritário de Mussolini”.
Vou ter muitas saudades dos risos, das conversas, das gravações, da liberdade com que passeávamos pela História e pelas histórias e com que discutíamos tanta coisa. Sobretudo vou ter saudades das suas chamadas telefónicas a perguntar-me como ia a “conspiração da direita” e de alguns jantares em que falávamos de batalhas em que tínhamos estado juntos mas em lados opostos.
Como sempre, nas grandes amizades, como nas grandes paixões, ficam coisas – e importantes – por dizer.
Tenho esperança que o Maestro da minha Filarmónica lhe tenha já distribuído a partitura.>

quinta-feira, 13 de junho de 2019




FERNANDO PESSOA

O mais universal e maior poeta português a par de Camões, nasceu nesta data em 1888, em Lisboa.
Pessoa inventou poetas inteiros (Robert Hass), foram eles os seus heterónimos: Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Alberto Caeiro e Bernardo Soares.

Deixei atrás os erros do que fui,
Deixei atrás os erros do que quis
E que não pude haver porque a hora flui
E ninguém é exacto e feliz.

Tudo isso como o lixo da viagem
Deixei nas circunstâncias do caminho,
No episódio que fui e na paragem,
No desvio que foi cada vizinho.

Deixei tudo isso, como quem se tapa
Por viajar com uma capa sua,
E a certa altura se desfaz da capa
E atira com a capa para a rua.

Poesias inéditas (1930-1935)



ÁLVARO CUNHAL


Faz hoje 14 anos que partiu Álvaro Cunhal, histórico Secretário-Geral do Partido Comunista Português, partido centenário que fez da sua existência uma luta permanente contra o regime fascista, pelo seu derrube, pela libertação do povo português e pela implantação de uma sociedade socialista.
Independentemente das opções de vida e a opção política é uma delas, devemos a Álvaro Cunhal e ao Partido Comunista Português, pela sua luta junto do operariado e das classes trabalhadoras ao longo de décadas, pela sua determinação e capacidade organizativa, papel fundamental na liquidação do fascismo que culminou na gloriosa madrugada de 25 de Abril de 1974.




DIZEM ALGUNS…

Dizem
alguns que tu
foste uma lenda arrancada
das páginas da história. Que a tua
palavra ardia
como uma tocha, às vezes
como uma lança cravada
na carne da ignomínia.
Eu diria
apenas que foste
a encarnação dum sonho, o rosto
humano da utopia.


Albano Martins
(poema dedicado a Álvaro Cunhal)





LOURO


Ou loureiro, é o nome de uma árvore pertencente à família das Lauráceas, género Laurius. É originária da região mediterrânea e a sua altura varia de 5 a 20 metros. A folha é vistosa e tem um odor forte e muito característico e é usada na culinária como tempero. Além disso, a sua madeira  tem muita qualidade e é também usada na medicina popular no tratamento de problemas digestivos. 
Na Grécia e Roma antigas, era costume confeccionarem-se coroas de ramos de louro, como símbolo de vitória e majestade, daí o termo "laureado", derivado do género "laurius".

Sociedade Portuguesa de Botânica Joaquim Rolhas e  Wikimedia commons
Tudo isto para tentar perceber a origem da designação da Lourinhã, mui nobre vila da região do Oeste.
Segundo parece, embora não haja unanimidade entre os historiadores, admite-se que a sua  origem venha do  toponónimo latino "Laurius", que significa loureiro, ou terra onde existem loureiros, árvore que terá sido muito abundante na região e que ainda hoje se encontra no Toxofal e na mata da Quinta da Moita Longa. Posteriormente ter-lhe-á sido aditado o sufixo Anum, o qual significa área agrária e que deu origem à palavra Laurinianum. Não nos espantemos, então, por descobrir que o loureiro está representado na heráldica da Lourinhã e nas pedras de armas medievais da Igreja de Santa Maria do Castelo.

Vista da Vila da Lourinhã
Igreja de Santa Maria do Castelo

Triste mas é verdade. Tendo sido uma região de abundante plantação de Loureiros, encontramo-la substituída por abundante plantação de Eucaliptos, nomeadamente na região do Planalto das Cesaredas que, supostamente, deveria ser área protegida, não sendo, por isso, despiciendo, o regresso à plantação do Loureiro nesta região.
Sinais dos tempos, por lá também são avistadas plantações de parques eólicos, aproveitando as características ventosas do planalto.

A Lourinhã, os seus campos, as suas praias e a sua história merecem ser conhecidas e visitadas, sendo uma vila e uma região laureadas com o distinto símbolo de qualidade.

João Laurius









quarta-feira, 12 de junho de 2019


NÃO HÁ FESTA COMO ESTA!

Aqui se anexa o link da entrega e homenagem pela SPA ao Homem Bom que nos deixou, do Prémio Pró-Autor SPAUTORES 2014

https://youtu.be/lHw5Qbomhl8



João Andarilho

terça-feira, 11 de junho de 2019



UM HOMEM BOM PARTIU…

De ascendência burguesa, cedo bebeu ideias de gente de esquerda, seja por parte do ramo familiar a esta afecto, seja através da vida de estudante no Liceu Camões onde integrou grupos do mesmo espectro político. 
Partiu hoje o Camarada Rúben de Carvalho, Homem íntegro, de fortes convicções, Comunista, Humanista, Jornalista, de grande saber e cultura, conhecedor profundo de música, seja ela popular, Rock, Blues, Jazz ou clássica. Foi redactor-paginador do jornal "O Século" e director do Jornal "Avante!", órgão oficial do Partido Comunista Português, na clandestinidade e após a revolução. Inovador, inventou a Festa do Avante! cuja primeira edição teve lugar no ano de 1976 na antiga FIL e da qual era director. Segundo afirmou, terão passado até hoje pela Festa mais de 20 000 bandas de música e cantores. Teve o rasgo de combinar a presença ininterrupta ao longo das edições, de uma banda filarmónica de música clássica numa festa desta natureza. Era um visionário. 
Lutador antifascista, foi preso 6 vezes pela PIDE e torturado. Perguntado se alguma vez teve medo respondeu: « Ouça, se alguma vez alguém lhe disser que nunca teve medo, mande-o dar uma volta de bicicleta. Eu estive na guerra, estive na actividade política na clandestinidade, fui preso. É evidente que tive medo. So what?»

Foi a sua hora, a hora a partir da qual se perdeu fisicamente um Homem Bom, que vai fazer falta mas que deixou um legado ímpar e que certamente vai ter gente de grande saber, capaz, a dar continuidade aos valores que nos legou. A vida é assim, haja vontade e sabedoria para lhe dar um bom seguimento.

ATÉ SEMPRE CAMARADA.

João Andarilho

sábado, 8 de junho de 2019



24/7


De facto o Diabo não dorme e vai refinando a malvadez ao ponto de nos tornar seres em vigília permanente as 24 horas do dia, sete dias por semana, 365 dias por ano. O direito inalienável ao sono está permanentemente a ser afrontado com a multiplicidade de distrações e tentativas de formatação das nossas orientações condicionando-nos, seja através da comunicação visual ou sonora. Da TV à internet, da rádio ou através da publicidade estática, a nossa vida foi sequestrada e orientada para o consumo. Pior, para o vício do consumo. Consome-se tudo o que é supérfluo e a última moda do supérfluo que não é melhor que a anterior entra-nos, imposta, invasora, no nosso casulo, nas nossas casas, na nossa privacidade, abusando de nós, a toda a hora. Em casa ou fora dela, no emprego, na rua, durante o dia ou à hora do sono lá está ele, o Diabo, o Capitalismo, a fera. Somos gente acossada a quem aos poucos é retirada a sua dignidade. Transformámo-nos em seres mansos destinados a alimentar o ventre inchado do Capitalismo. Suborna a nossa infelicidade, os nossos sonhos a nossa vida. O pensamento está acorrentado numa Caverna. Nada enxergamos para além das sombras. Nada mais existe para além das sombras num mundo em que a luz, a luminosidade é permanente e nos cega! O Diabo!




João Andarilho


domingo, 2 de junho de 2019



24/7


A semana que findou não foi uma semana normal para mim. Aconteceu ter dado um trambolhão bicicleta abaixo, daí resultando fractura da homoplata esquerda. Fiquei extremamente chateado, sei que podia ter sido pior. Não ter ido à faca foi uma sorte. Porém, o que realmente me incomodou e incomoda, é o facto de estar limitado fisicamente não podendo, por isso, praticar a minha habitual corrida vespertina.
Mas como sou teimoso, em vez da corrida fui praticar caminhada, sempre em passo acelerado, para não perder massa muscular e manter uma boa condição na parte cardíaca. Não correr e caminhar proporcionou-me uma melhor percepção da envolvência que me rodeia no habitual percurso do treino de corrida. Como o ritmo é menor, deu para apreciar pormenores da natureza ao longo do percurso que me falham quando corro. Também me proporcionou conseguir pensar numa série de coisas da vida com mais nitidez do que quando corro e o esforço é mais exigente. Para concluir que caminhar faz muito bem e saímos melhores pessoas.
Num dos momentos da caminhada, aconteceu, numa belíssima alameda ladeada da pinheiros bravos, já o sol se punha no horizonte, reparar em algo minúsculo que se mexia camuflado entre a caruma dos pinheiros. Era um pequenino ser, um borrachinho que tinha caído do ninho e se mostrava completamente indefeso e à mercê de predadores, como os gatos selvagens que por ali proliferam. Com alguma dificuldade e com cuidado, consegui pegar no pequenito e frágil ser  e colocá-lo sob o tronco mais alto do pinheiro ao meu alcance e rezar para que conseguisse salvar-se de uma situação de vida ou de morte. Terá sobrevivido? Espero que sim.


***

Foto de Ed Dunens/Flickr

Comecei agora a ler um livro deprimente que me foi gentilmente emprestado pelo meu amigo João Ferreira. Esclareço melhor, não é o livro que é deprimente mas sim o conteúdo da sua leitura. O seu título é " 24/7, O Capitalismo Tardio e Os Fins do Sono" e o autor chama-se Jonathan Crary, editado pela Antígona.

No meio de milhões de pássaros, passarinhos e passarolas, há uma espécie singular que, por o ser, despertou a atenção do Diabo (Departamento de Defesa dos Estados Unidos da América/Pentágono), chama-se Pardal de Coroa Branca. Como o Diabo é esperto e tem artes de se antecipar ao bem para praticar as suas tropelias e artes de morte, reparou na particularidade deste pequenino ser da natureza não necessitar de dormir durante as 24 horas do dia durante 7 dias, que é a duração do percurso migratório do Alasca até ao México e vice-versa , consoante é inverno num lado e primavera no outro. Vai daí, concluiu que valia a pena gastar uma pipa de massa em investigações ao comportamento e cérebro da pequena ave, com o fito de conseguir aplicar o seu resultado,  estimulação da vigília e ausência de sono no ser humano, primeiro na esfera militar criando soldados com prontidão total sem necessitar de dormir durante dias e, posteriormente, estender a sua aplicação à massa de trabalhadores no mundo laboral, permitindo um brutal aumento da produtividade e consequente aumento do lucro, à custa do sacrifício do direito fundamental da vida que é o direito ao sono,  intrínseco do acto de viver. 
Chega-se à conclusão que o Diabo (leia-se, também, capitalismo) não dorme. Daí que os seres humanos devam estar completamente vigilantes e não pregarem olho enquanto o Diabo andar à solta, não vá o Diabo tecê-las.

João Ganzado





  SÃO JOÃO   "23.6 À meia noite de hoje (ontem) acendem-se os fogos. A multidão reúne-se em redor das altas fogueiras. Nesta noite limp...